A aposta na vanguarda
por Roberto Comodo
Em 2015 duas megaexposições internacionais – The World Goes Pop, da Tate Modern de Londres; e a mostra itinerante pelos Estados Unidos International Pop, promovida pelo Walker Art Center, de Minneapolis – colocaram a Pop Art no centro das artes plásticas mundiais. Obras de Antonio Dias, Wesley Duke Lee, Cláudio Tozzi, Nelson Leirner, Raimundo Colares e Glauco Rodrigues, entre outros artistas, brilharam nessas mostras.
Antecipando este movimento num gesto ousado para o mercado, a Ricardo Camargo Galeria realizou em 2007 a exposição Vanguarda Tropical, reunindo 44 trabalhos de oito artistas plásticos expoentes da arte brasileira dos anos 60. Foi também um gesto coerente deste galerista, que mantém contato contínuo há quase 50 anos com os artistas da vanguarda nacional, iniciado na galeria Art-Art – a primeira galeria de arte contemporânea de São Paulo, inaugurada em dezembro de 1966 – e em seguida na Galeria Ralph Camargo, que a sucedeu.
Agora, com a exibição de Pop, Nova Figuração e Após a Ricardo Camargo Galeria fecha um ciclo e também abre novas fronteiras. A mostra apresenta 58 obras, 18 delas inéditas, de 25 artistas de ponta da arte nacional, que transitaram entre a Pop Art e a Nova Figuração ou foram além – como Mira Schendel com o desenho Simbolos, de 1974, feito em caneta hidrográfica, e Ivald Granato homenageado em um emblemático óleo de 1977.
Na exposição, a contundência do inédito óleo de Antonio Henrique Amaral, Banana grafite com cordas, de 1973, sintetiza seu vigoroso repúdio ao regime militar e mantém diálogo com o objeto Catraca, de Claudio Tozzi, travada por um cadeado no ano de 1968, quando a ditadura iniciou a sua fase mais repressiva. Tozzi ainda está presente com Multidão (1968) e no trabalho inédito Viet Paz, (1966), que retrata a desigual e brutal Guerra do Vietnã, entre demais obras. Seu colega de geração, Rubens Gerchman se impõe com a majestosa tela Mata e o arrojo de Gnosis, em spray sobre alumínio, pintadas em Nova York nos anos 70, além da pintura e colagens Policiais identificados da chacina, da série Registro Policial, de 1988.
Na vertente Pop, Maurício Nogueira Lima, que foi um puro concretista, surpreende com as exuberantes telas Bang!, Goool e Tchaf! Negativo, todas de 1967; e no exclusivo retrato de Marilyn Monroe, feito em 1969. Já José Roberto Aguilar expande a sua novíssima figuração mágica no óleo Destruidor de mitos, de 1965, e Cenas Urbanas, sua primeira pintura com spray sobre tela, elaborada em 1966. São obras que mantém proximidade com as de Tomoshige Kusuno, autor do monumental painel de telas a óleo esticadas em estrutura de madeira, de 1970, e das delicadas obras Vibração de Resíduos, Herança da perspectiva e Diamante nº 6, feitas nos anos 60.
O mestre Wesley Duke Lee ressurge na mostra com a arte ambiental Retrato de Luzia (a Santa Amarense) ou à respeito de Titia – liquitex sobre tela e planta viva em um vaso – que participou da exposição Iconografia Botânica na inauguração da Galeria Ralph Camargo em 1970. Além da obra Retrato de um amigo (Guido Santi, presidente da Olivetti na época), de 1967, inteiramente Pop, com sua moldura recortada; e o exemplar da Série das Ligas, de 1960, a obra mais antiga da exibição. Ex-alunos de Wesley, Luis Paulo Baravelli mostra o raríssimo trabalho Ceci e Peri, de 1968, em madeira bruta pintada, azulejos e madeira balsa, enquanto Carlos Fajardo expõe o singular óleo Santos Dumont, pintado em 1967.
Com a obra mais recente na mostra, o irônico espírito contestador de Nelson Leirner surge em Jogos Americanos, de 2001, nas 40 unidades de silk-screen sobre fórmica que indaga “Você tem fome de que?”, que foram expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Outras preciosidades da exposição são os três trabalhos de Antonio Dias, dois deles dos anos 60 – um característico guache e um ladrilho esmaltado a fogo – além da deslumbrante xilogravura Fósforos, de 1978, em spray acrílico azul. Nesse mesmo patamar também estão três pinturas de Glauco Rodrigues dos anos 60, duas da série Astronauta – que estiveram na sua primeira individual na famosa Galeria Relevo, no Rio de Janeiro, de Jean Boghici,, em 1966 – e a inusitada Cara e careta. Além de duas obras de Raimundo Colares de 1966 – em lápis, nanquim e aquarela – com seu vibrante grafismo inspirado nas cores dos ônibus cariocas.
A mostra da Ricardo Camargo Galeria traz ainda obras significativas de artistas importantes, mas pouco vistos, realizadas na década de 60, como Maria Helena Chartuni e Samuel Szpigel. Totalmente pop, Maria Helena exibe um Diptíco de Roberto Carlos, um Tríptico do Chacrinha e seus calouros e um exuberente Ostentório de Marilyn Monroe, com óleo sobre tela recortada montada em estrutura de ferro pintado. Já Szpigel realiza uma retumbante e mordaz crítica política nas telas Aliança para o Progresso e Liberdaaaade. Com a exposição Pop, Nova Figuração e Após a Ricardo Camargo Galeria reafirma a aposta na ousadia de diferentes enfoques da vanguarda brasileira dos anos 60, que agora ganha merecido reconhecimento internacional.
Obras participantes
Antonio Dias "Sem titulo" (3-XI-63) ladrilho esmaltado a fogo 15,5 x 15,5 cm. Antonio Dias "Sem titulo" (1965) guache s/cartao s/duratex 21,5 x 28,5 cm. Antonio Dias "Fosforos" (1978) xilogravura e spray azul s/ papel 31 x 42,5 cm. Antonio Henrique Amaral "Cenario" (1993) oleo s/ tela 140 x 197,5 cm. Antonio Henrique Amaral "Dialogo impossivel" (1967) oleo s/ tela 90 x 119 cm. Antonio Henrique Amaral "Banana grafite com cordas" (1973) oleo s/ tela 125 x 165 cm. Décio Noviello "Sem titulo," (1968) tinta acrílica s/tela 50 x 40 cm. Carlos Fajardo "Santos Dumont" (8/2/67) óleo s/tela 110 x 130 cm. Flávio Império "Gloria," (1979) lápis e tinta acrílica s/tela 50 x 100 cm. Carlos Vergara "da série Máscaras" (1976) grafite, lápis de cor, pastel oleoso, espelho e recortes 59 x 49 cm.
Carlos Vergara "Aqui e Agora 2" (1969) grafite e tinta acrílica s/relevo de poliestireno s/plástico moldado 59,5 x 69 cm. Claudio Tozzi "Viet Paz" (1966) tinta alquidíca e gesso s/placa duratex 80 x 47 cm. Claudio Tozzi "Multidão" (1968) liquitex s/duratex 90 x 130 cm. Claudio Tozzi "Catraca" (1968) ferro e base de madeira esmaltado 127 x 80 x Ø cm. Claudio Tozzi "Astronauta" (1969) liquitex s/tela, colada em madeira 70 x 70 cm. Claudio Tozzi "O goleiro" (1972/73) tinta acrílica s/tela colado em madeira, tecido e terra 74 x 74 x 8 cm. Glauco Rodrigues "Cara e careta Rio" (1965/66) tinta acrílica s/madeira e tecido 56 x 56 cm. Glauco Rodrigues "Astronauta 22 Rio" (1966) tinta acrílica s/tela, 55 x 46 cm. Glauco Rodrigues "Astronauta 18 Rio" (1966) tinta acrílica s/tela, 55 x 46 cm. Artur Barrio "Composição em números" (déc. 1960) guache, nanquim, pastel, barbante e colagens s/cartão s/duratex 34 x 50 cm. Ivald Granato "Série – Pluralidade do exercício" (1977) óleo s/tela colado em duratex 156 x 56 cm. Ivan Serpa "Sem título" (1962) aquarela s/papel 24,5 x 29 cm. Ivan Serpa "Sem título" (1962) aquarela s/papel 24,5 x 29 cm. José Roberto Aguilar "Destruidor de mitos" (1965) óleo s/tela, 88 x 114 cm. José Roberto Aguilar "Cenas Urbanas" (1966) spray (esmalte sintético) s/tela, 97 x 129 cm. Luiz Paulo Baravelli "Ceci e Peri" (1968) madeira bruta pintada, azulejos e madeira balsa 37,5 x 55 x 3,5 cm. Sergio Ferro pereira "Sem título" (4/1/65) lápis, óleo e colagem s/madeira 50 x 70 cm. Maria Helena Chartuni "Diptíco de Roberto Carlos" (1966) (biface) óleo s/madeira recortada, acrílico e alumínio 53 x 87 x 4 cm. Maria Helena Chartuni "Tríptico do Chacrinha e seus calouros" (1967) (biface) óleo s/madeira recortada, acrílico e aluminio 42,5 x 87,5 x 3,5 cm. Maria Helena Chartuni "Ostensório de Marilyn Monroe" (1967) óleo s/tela recortada, acrílico, montada em uma estrutura de ferro pintado 160 x 108 x 48 cm. Mauricio Nogueira Lima "Bang!" (1967) tinta acrílica s/cartão 40 x 56 cm. Mauricio Nogueira Lima "Goool" (1967) tinta acrílica s/tela 94 x 116 cm. Mauricio Nogueira Lima "Tchaf! Negativo" (1967) tinta acrílica s/cartão 76 x 76 cm. Mauricio Nogueira Lima "Marilyn Monroe" (1969) tinta acrílica s/tela, 120 x 120 cm. Mauricio Nogueira Lima "Sem título" (1972) tinta acrílica s/tela, 50 x 60 cm. Mauricio Nogueira Lima "Futebol" (1971) tinta acrílica s/tela 100 x 100 cm. Mira Schendel "Símbolos (da série cálculos)" (1974) caneta hidrográfica s/papel, 102 x 66 cm. Nelson Leirner "Jogos americanos" (2001) silk-screen s/formica, composta de 40 unidades 29 x 44 x (cada) cm. Raymundo Collares "Sem título" (1966) lápis, nanquim e aquarela s/cartão, 28 x 26 cm. Raymundo Collares "Sem título" (1966) lápis, nanquim e aquarela s/cartão, 29 x 35 cm. Rubens Gerchman "Mata" (1971/73) tinta acrílica s/tela, grama sintética e tela com recorte, 199 x 199 cm. Rubens Gerchman "O NY" (1972) tinta acrílica s/tela com recorte 120 x 120 cm. Rubens Gerchman "Gnosis NY" (1972) spray s/alumínio com recorte e letras recortadas, 75 x 55 x 2 cm. Rubens Gerchman "Multidão" (1964) tinta acrílica s/tela, 65 x 46 cm. Rubens Gerchman "Policiais identificados da chacina (série Registro Policial)" (1988) colagem, espelho, telefone, televisão e óleo s/madeira, 150 x 166 x 25 cm. Samuel Szpigel "Aliança para o Progresso" (1965) tinta acrílica s/madeira e colagem, 60 x 91 cm. Samuel Szpigel "Liberdaaaade" (1966) tinta acrílica s/madeira e colagem, 46 x 168 x 3,8 cm. Tomoshige Kusuno "Vibração de resíduos" (1964) lápis, cordão, bom bril, cola branca, colagens e óleo s/gesso s/madeira, 110 x 80 cm. Tomoshige Kusuno "Herança da perspectiva" (1965) grafite, nanquim e tinta acrílica s/duratex, 49,5 x 70 cm. Tomoshige Kusuno "Sem título" (1/Abril/70) óleo s/madeira, telas esticadas em estrutura de madeira 234 x 714 x 27 cm. Tomoshige Kusuno "Diamante nº 6" (1967) liquitex s/tela colada em madeira e relevo, 150 x 110 x 11 cm. Vera Ilce "Futebol" (1969) tinta acrílica s/duratex, 120 x 120 cm. Ubirajara Ribeiro "Máquina" (1965) lápis, nanquim e óleo s/madeira, 56,5 x 63,5 cm. Ubirajara Ribeiro "Mais ou menos um detalhe" (1967) óleo s/tela colado s/madeira, 48 x 37 cm. Wesley Duke Lee "Série das ligas" (20/mai/1960) nanquim sumiê s/papel, 45 x 60 cm. Wesley Duke Lee "A Zona: não ter medo de fazer história" (abr/65) óleo s/telal, 117 x 107 cm. Wesley Duke Lee "Retrato de um amigo" (18/Set/67) lápis e liquitex s/tela, 100 x 100 x e 80 x 55 cm. Wesley Duke Lee "Retrato de Luzia (a Santo Amarense) ou á respeito de Titia (arte ambiental)" (1969) liquitex s/tela e planta viva, 190 x 100 cm.