O papel dos modernistas
por Ricardo Camargo
Sabe-se que em épocas de crise todos procuram estabilidade e segurança. Assim acontece também no mercado de arte, quando os colecionadores se voltam para os clássicos, os valores já firmados na história. Esta é uma exposição dos clássicos do modernismo no Brasil, entendendo-se modernismo em sentido amplo. Vai de Anita Malfatti, sua protomártir em 1917, até o começo do abstracionismo, com Antônio Bandeira, nos anos 1950. Entre esses extremos, os grandes nomes como Di Cavalcanti,Tarsila, Portinari, Volpi, Gomide, Segall e – constituindo na verdade uma sala especial,uma outra exposição em separado, com outro catálogo – Ismael Nery. Há muito tempo não se reúne um conjunto tão importante e expressivo do grande Nery, com 25 obras,das quais várias participaram de Bienais e exposições em museus. Para a galeria, aocompletar 22 anos, é uma honra e um prazer fazê-lo.
As duas exposições constam de arte sobre papel – ora desenho propriamente dito,ora pintura (porque também se pinta sobre papel). No Brasil, percebemos que em geral o papel como suporte não tem, infelizmente, o prestígio que tem em todo o primeiro mundo e mesmo nas coleções brasileiras de maior importância. As de Gilberto Chateaubriand e de Hecilda e Sérgio Fadel, as mais completas e famosas, são ricas em papeis. Creio que há um preconceito a cercar esse tipo de produção, supondo-se– inexatamente – que o papel é mais frágil, mais perecível, mais inadequado que a tela para a longa duração. É verdade que ele exige cuidados, mas a tela também: mal conservada, ela se deteriorará. Museus especializados, como o Albertina, em Viena, e o próprio Museu do Vaticano, têm monumentais coleções de papeis feitos há séculos que resistem perfeitamente. Por outro lado, talvez exista também a falsa noção de que esteticamente a obra sobre papel é menos nobre, menos completa que a pintura ou a escultura. Isso nem precisa ser discutido. É uma ideia superada, já que hoje todas as hierarquias foram abolidas e as novas técnicas são mais numerosas que as antigas.Com certeza absoluta, um bom papel é mais importante, vale mais a pena, que uma pintura medíocre. Enriquece-nos, em vez de apenas enfeitar uma parede.
Há duas exceções às regras nesta mostra. Primeiro, a inclusão de um desenho-quase pintura de um não brasileiro da mesma época do nosso modernismo: Diego Rivera, o mais ilustre muralista mexicano. É que, tendo surgido a oportunidade de mostrá-lo, a galeria não poderia deixar passá-la: é um trabalho excepcional, de grande força expressiva. Segundo, a presença de uma escultura de Victor Brecheret. Além de, por sua qualidade, constituir uma obra para museus, aqui ela está absolutamente oportuna e justificada. Trata-se de um retrato de Dona Olívia Guedes Penteado, a grande patrona do modernismo brasileiro. Certamente a aura dessa peça e a memória benfazeja de Dona Olívia trazem bons augúrios e contribuirão para o sucesso da exposição.
Ricardo Camargo
Obras participantes
Emiliano Di Cavalcanti "Bordel" (c.1938) guache e pastel s/ papel 45 x 56 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Outomno, Paris" (1923) aquarela s/ papel 29,5 x 20,5 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Moreninha de Paquetá" (c.1928) aquarela e nanquim s/ papel 27 x 12,5 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Carnaval" (c.1928/29) guache e nanquim s/ papel 32 x 24 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Três figuras com tambores" (4/11/35) aquarela s/ papel 38 x 30 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Passeio ao luar" (1941) nanquim s/ papel 50 x 35 cm. Emiliano Di Cavalcanti "À Pagú de Di" (c. 1930) nanquim s/ cartão 34 x 24 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Mulher de perfil" (1954) aquarela s/ cartão 67 x 49 cm. Emiliano Di Cavalcanti "Grande Quima 100.000 camisas" (12-11-48) nanquim e aquarela s/ papel 37 x 25,5 cm. miliano Di Cavalcanti "Gasômetro, Rio" (1969) nanquim s/ papel,no verso estudo Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira) "Pierrot" (c. 1922/23) guache e nanquim s/ papel 27 x 11,5 cm. Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira) "Bailarino" (c. 1927/28) aquarela s/ papel 31 x 23 cm. Antonio Gomide "Ensaio cênico" (c.1919) lápis e aquarela s/ papel 23 x 28,5 cm. Antonio Gomide "Cena com dançarina e sanfoneiro num porto" (c. 1918/19) aquarela s/ pape 26 x 20,2 cm. Antonio Gomide "Dançarina Espanhola" (c. 1918/19) lápis e aquarela s/ papel 26 x 20 cm. Antonio Gomide "Celebração cubista" (1922) aquarela s/ papel 42,5 x 30 cm. Antonio Gomide "Cena de caça com cavalos" (c. 1931/32) aquarela s/ papel 18 x 35,5 cm. Antonio Gomide "São Paulo" (c. 1931/32) lápis e aquarela s/ papel 22 x 41,7 cm. Antonio Gomide "Aviador Constitucionalista" (1932) aquarela s/ papel 18 x 21 cm. Antonio Gomide "Pássaro com Caramujo (Estudo para estamparia)" (1922) aquarela s/ papel Tarsila do Amaral "Paisagem antropofágica com bicho" (c. 1929) grafite s/ papel 10 x 18 cm. Tarsila do Amaral "Composição (Figura só)" (1930) tinta ferrogálica s/ papel 14,8 x 17 cm. Cicero Dias "Circo" (1929) nanquim e aquarela s/ papel 36,5 x 25,5 cm. Djanira da Mota e Silva "Parque de diversões" (NY 46) guache e nanquim s/ papel 22,5 x 30 cm. Candido Portinari "Espantalho, Rio de Janeiro" (1944) guache s/ papel 35,5 x 48 cm. Candido Portinari "Espantalho, Paris" (1946) guache s/ papel 35,5 x 25 cm. Candido Portinari "Bauzinho e cabaça" (Paris 1946) guache s/ papel 32,5 x 25 cm. Candido Portinari "Cavalo" (c. 1955) grafite, crayon colorido e sangu?ínea s/papel 31 x 42 cm. Lasar Segall "Mulher com franja" (c. 1921) lápis s/ papel 47,5 x 39,5 cm. Lasar Segall "Retrato da bailarina Franz Roberts" (c. 1921) lápis s/ papel 48 x 31,5 cm. Lasar Segall "Jovem de vestido verde," (1953) aquarela e guache s/ papel 34,6 x 24,5 cm. Victor Brecheret "Dama Paulista" (1934) mármore 48 x 77 x 23 cm. Anita Malfatti "Jarro e Flores" (c.1945/47) pastel s/ papel 34 x 42 cm. Anita Malfatti "Armazém" (c. 1948/50) nanquim e lápis de cor s/ papel 24 x 27 cm. Alfredo Volpi "Paisagem com casa," (c. 1940) óleo s/ cartão colado s/ madeira 27 x 34,5 cm. Flavio Resende de Carvalho "Sem título" (1929) aquarela s/ papel 30 x 23 cm. Diego Rivera "Camponesa" (déc. 1940) nanquim e aquarela s/ cartão 58 x 42 cm. Antonio Bandeira "Montparnasse," (1956) têmpera e nanquim s/ flã de jornal 29 x 40,5 cm. Antonio Bandeira "Saint-Germain" (1956) têmpera e nanquim s/ flã de jornal 27,5 x 39,5 cm. Antonio Bandeira "Outonal" (1967) nanquim e guache s/ papel 16,5 x 21 cm. Cicero Dias "Família" (c. 1931/33) aquarela s/ papel s/ madeira 39 x 43,5 cm.
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