O impecável arrojo de Wesley Duke Lee
por Ricardo Camargo, colaborou Roberto Comodo
Um dos grandes ícones da vanguarda brasileira, Wesley Duke Lee (1931-2010) foi um artista plásticocompleto, com domínio absoluto sobre os mais diversos meios e materiais da expressão visual. Donotável desenho à pintura, passando pela gravura, têmpera, colagens, ambientes e instalações ao scanner do computador. Ao comemorar 20 anos de existência a Ricardo Camargo Galeria realiza uma surpreendente exposição com 34 obras selecionadas do mestre Wesley, feitas entre 1958 e 2003.
Simultaneamente, a Tate Modern, de Londres, na megaexposição The world goes Pop, com artistas de várias partes do planeta, exibe a pioneira e arrojada instalação de Wesley, Trapézio ou uma Confissão. Primeira arte ambiental realizada no Brasil, a obra foi exposta em 1966 na Bienal de Veneza e pertence à coleção de Roger Wright, a maior do país de peças dos anos 60 e que está em comodato com a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
No Rio de Janeiro, na Galeria Pinakotheke, Wesley participa com três trabalhos da série A Zona na mostra dos 50 anos da histórica exposição Opinião 65, que aconteceu no MAM carioca. E na recémaberta Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, se encontra pousado o seu famoso Helicóptero, de intensos vôos interiores, pertencente hoje a coleção do Masp. Concluída em 1969, a obra multimídia contava com a reação ativa do público, seguindo um conceito do dadaísta Marchel Duchamp, que Wesley conheceu em Nova York.
Na Ricardo Camargo Galeria, entre a rica diversidade de técnicas e materiais, os destaques são muitos entre as obras expostas, que vão de Cloaca Mínima, têmpera abstrata da latrina da cela onde ficou preso por três dias, em 1964; a estudo para Gingantomachia, sua última pintura, de 2003. Mas nada supera a beleza impactante da instalação O/Limpo: Anima, realizado em 1971, conjunto de objetos em papel machê, metal, tecidos, madeira, plástico, ferro, palha, terra, pedra e osso. Há uma força na mistura de materiais díspares, que contrasta com um espelho em que o espectador vê a si mesmo.
Outro ponto alto da exposição é a vibrante sutileza dos óleos com colagens montados em cinco grandes telas Cinco comentários ternos sobre o Japão – Ou obrigado Japão!, realizadas por Wesley em Tóquio em 1965. Cada uma das telas representa um elemento da cultura japonesa vivenciado pelo artista. O impacto do gesto zen aparece também na grande aquarela e nanquim sobre papel japonês A zona: o mestre – abertura, que reflete uma competição de karatê que ele presenciou em Higata, no Japão.
A mostra expõe dois desenhos da célebre Série das Ligas, de 1962, que causou um escândalo ao ser exibida um ano depois num happening no João Sebastião Bar em São Paulo. E três exemplares da série O Triumpho de Maximiliano I, de 1986, feitos com nanquim, xerox e guache sobre papel Fabriano, que retratam com delicadeza a “procura da alma do mundo”. A série é um exemplo do processo de elaboração das obras de Wesley. Os desenhos iniciais foram feitos a bico-de-pena em 1966. As colagens de xerox são de 1979 e os desenhos a lápis, nanquim e guache foram finalizados em 1986.
A exposição traz ainda dois trabalhos de 1965, Lydia pensa, Arkadin fala e o emblemático óleo A zona: não ter medo de fazer história, realizado um ano depois de sua prisão. Em 1965 Wesley é premiado na Bienal de Tóquio e selecionado para a Bienal de Veneza, iniciando a sua projeção internacional. Em seguida, em Nova York, a convite do diretor do Museu Guggenheim, Thomas Messer, é convidado a expor ao lado da nata da Pop-Art – Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Oldenburg – na Galeria Leo Castelli, em prol do grupo de dança do compositor John Cage.
Wesley voltou de Nova Iorque sob o impacto da combination painting que descobriu no porão de uma mostra de Rauschenberg. Nos anos 60 e 70 produziu uma série de quadros-esculturas que iriam culminar nos espaços de seus ambientes e que se tornaram uma das mais originais contribuições à arte contemporânea brasileira. Este seu pioneirismo foi reconhecido por Hélio Oiticica, que situou seus ambientes como um dos precursores da “nova objetividade”, lembra a historiadora Cláudia Valladão de Mattos.
Toda esta ousadia pode ser vista na mostra em obras como o tríptico O salto do Xhaman (que utiliza fotos, barbantes, pena e fita adesiva) e Ana (com carimbo, pele de cobra, cadarço, fotos e silicone), ambas de 1982. Um percurso criativo que passa pelo álbum de fotolitos com 48 mapas Cartografia Anímica, de 1980, concebido quando Wesley se encontrava retido no aeroporto de Teerã, no Irã, por não ter tomado a vacina de febre amarela. E culmina nos sensíveis scanprint, pastel e lápis de cera dos Trabalhos de Eros, Preparação para a Anunciação da Era do Filho, exibidos em 1991, que resultaria na sutil alquimia da série de telas O Filicardo, de 1999. A exposição da Ricardo Camargo Galeria evidencia que foi com sofisticada erudição, verve, estilo e impecável desenho que Wesley Duke Lee realizou toda a sua obra.
Obras participantes
Wesley Duke Lee "O/Limpo: Anima" (1971) conjunto de objetos em papel machê, metal, tecidos, madeira, plástico, ferro, palha, terra, pedra e osso 150 x 50 x 50 cm. Wesley Duke Lee "Ele não está muito certo" (Paris, 6 oct’ 58) nanquim s/ papel 36 x 26 cm. Wesley Duke Lee "Sem título" (SP 30/5/59) nanquim e guache s/ papel 28 x 38 cm. Wesley Duke Lee "Documento confidencial" (13/1/61) nanquim, guache e colagem s/ cartão 17,5 x 23 cm. Wesley Duke Lee "O capacete do mestre Khyrurgos" (9/fev/62) tecido e têmpera s/ papel 36 x 46 cm. Wesley Duke Lee "Série das ligas" (maio 62) lápis e carvão s/ papel 47 x 61 cm. Wesley Duke Lee "Ligas" (7/out/1962) nanquim, lápis de cor e verniz s/ papel japonês 37 x 11 cm. Wesley Duke Lee "Cloaca mínima" (27/4/64) têmpera s/ duratex 48 x 27 cm. Wesley Duke Lee "As invenções" (15/nov/64) grafite e lápis de cêra s/ papel 49 x 67 cm. Wesley Duke Lee "14 A Zona: não ter medo de fazer história" (abr/65) óleo s/ tela e moldura especial 117 x 107 cm. Wesley Duke Lee "Lydia pensa, Arkadin fala" (4/Abr/65) carvão, pastel, carimbo e montagem c/ acrílico 88 x 249 cm. Wesley Duke Lee "A zona: o mestre - abertura Higata" (27/nov/65) aquarela e nanquim s/ papel japonês 57 x 394 cm. Wesley Duke Lee "Cinco comentários ternos sobre o Japão ou Obrigado Japão!" (Tóquio, 65) óleo e colagem s/ tela, montagem de cinco telas 130 x 97 cm. Wesley Duke Lee "Retrato de um amigo" (18/set/67) lápis e liquitex s/ telas 100 x 100 cm. Wesley Duke Lee "A Zona: Arino boa viagem Los Angeles" (1969) lápis, lápis de cor e colagem s/ cartão 51 x 43 cm. Wesley Duke Lee "O caderno que respira" (1970) pasta de plástico com colagem de fotografias e texto s/ papel 60 x 100 cm. Wesley Duke Lee "Mulher Deitada" (1972) aquarela e lápis s/papel 47 x 65 cm. Wesley Duke Lee "A porrada" (Campos 20/4/77) lápis, carvão e xerox s/ papel 74 x 54 cm. Wesley Duke Lee "O herói, ou um Apolo de 45 anos" (Campos, 2/5/77) liquitex, lápis, pastel, xerox s/ papel 97 x 68 cm. Wesley Duke Lee "Em Santo Amaro (retrato de Joaquim Esteve Jr.)" (6/Out/78) liquitex, pastel e barbante s/ tela 180 x 137 cm. Wesley Duke Lee "Cartografia Anímica nº. 781" (1980) frotagem, carimbo, lápis e sumi-ê s/ papel 56 x 76 cm. Wesley Duke Lee "36 Cartografia Anímica" (1980) álbum com 48 mapas 37 x 49 cm. Wesley Duke Lee "A deusa da fortuna" (déc. 1980) água forte e ponta seca s/ papel 29 x 61,5 cm. Wesley Duke Lee "A iniciação do mito Narcissus" (14/julho/81) lápis, lápis de cor, guache, nanquim, carimbo, colagem, fita adesiva s/ cartão e papelão 80 x 100 cm. Wesley Duke Lee "Ana" (31/agosto/82) carimbo, pele de cobra, cadarço, guache, foto, metal, silicone e tinta spray s/ papelão 55 x 71 cm. Wesley Duke Lee "O salto do Xhaman" (1982) fotos, barbantes, pena, fita adesiva, pastel e acrílica s/ cartão 77 x 288 cm. Wesley Duke Lee "A INTERDEPENDÊNCIA (toma posição no kaos)" () 1966/86) nanquim, xerox e guache s/ papel Fabriano 51 x 69 cm. Wesley Duke Lee "Nike descansa" (1966/86) nanquim, xerox e guache s/ papel Fabriano 51 x 69 cm. Wesley Duke Lee "(ikone) O estandarte" (1966/86) nanquim, xerox e guache s/ papel Fabriano, 1986 Wesley Duke Lee "Tênis, Cricket, Alpinismo e Corrida para Revista Vogue nº. 164" (1989) lápis, lápis de cor e aquarela s/ papel 51 x 37 cm. Wesley Duke Lee "O Escultor (encarregado dos volumes e da visão espacial, sua força estabelece as relações e a presença do tri-dimensional)" (junho/1991) scannaprint, pastel e lápis de cêra s/ tela 130 x 147 cm. Wesley Duke Lee "O Escriba (rege a transformação das ideias e emoções em escrituras. É o Vigia das palavras, campo por excelência do sagrad" (junho/1991) scannaprint, pastel e lápis de cêra s/ tela 130 x 147 cm. Wesley Duke Lee "O Filiarcado" (1999) argamassa e pastel a óleo s/ tela 257 x 227 cm. Wesley Duke Lee "Tantratem" (1999) tinta spray, óleo, cadarço e colagem s/ cartão 60,5 x 80 cm. Wesley Duke Lee "Estudo para Gingantomachia" (2/6/03) acrílica s/ tela 100 x 80 cm.